A realidade, nada mágica, da Colômbia

14 de março de 2014

Elaine Tavares

As recentes eleições parlamentares na Colômbia tiveram resultados assustadores do ponto de vista, até, da dita democracia burguesa. Dos 32 milhões de colombianos aptos a votar, 56% não compareceram às urnas, 10% votaram nulo e outros 6% não marcaram as cédulas, o que significa que os eleitos garantiram suas vagas com apenas 28% dos votos. Para quem vive na Colômbia isso não é novidade, no ano de 2002, por exemplo, só a abstenção ficou em 67%, e no anos de 2010 chegou a 59%. Uma mostra clara da completa falência do chamado "estado democrático" naquele país.

Os motivos para essa alta abstenção são muitos, mas entre os principais está o fato de que uma boa parte da população não tem acesso a esse que é um dos direitos da democracia, seja porque tem medo, seja porque vive a mudar de residência em função dos constantes desalojamentos provocados pela guerra civil, pelos paramilitares e pelos narcotraficantes.

Um outro elemento é a completa descrença com relação a institucionalidade. Vivendo um quadro de violência de estado desde há décadas, a população não acredita no chamado processo democrático, até porque não tem nada de democrático. São ostensivos os casos de compra de votos, fraudes e uso da violência para obrigar as pessoas a votar em determinados candidatos ligados ao poder dominante. Daí que votar nas eleições parece ter perdido todo o significado. Passe o passe, sempre vencem os mesmos que controlam o país desde o trágico "bogotaço".

Um dos exemplos mais gritantes foi a eleição "retumbante" do ex-presidente Álvaro Uribe, reconhecidamente ligado ao mundo do narcotráfico e responsável - enquanto foi presidente - pelo aprofundamento do estado de terror na Colômbia. Seu partido recém criado, o Movimento Centro Democrático, que tem como lema "mão forte, coração grande", obteve mais de dois milhões de votos (14,29%) que, além de elegê-lo para o senado, arrastou mais alguns de seus colegas, garantindo assim a possibilidade de ser a segunda força política na casa legislativa.

Assim, ele rivaliza mano-a-mano com seu agora arqui-inimigo, o atual presidente Juan Manuel Santos, cujo partido, Partido da União Nacional, obteve 15,58% dos votos válidos - sendo a primeira força.
Outro dado interessante foi a votação dos grupos de esquerda, completamente inexpressiva, o Partido Aliança Verde e o Polo Democrático, não passam dos 7% juntos, cada um fazendo 3,94% e 3,78%, respectivamente. Isso não coaduna com a visibilidade e o trabalho desses movimentos, uma vez que estão bastante atuantes nas discussões do processo de paz, o que faz aumentar ainda mais as denúncias de fraude.

Nas redes sociais, são muitos os colombianos que buscaram os dados da Registraduría Nacional - o equivalente ao nosso TRE - para saber se o seu voto tinha sido computado e os votos não estavam lá. Outra olhada no mapa da Colômbia mostra que a maior quantidade de votos para o partido de Uribe está concentrada nas zonas que são dominadas pelos grupos paramilitares. Por outro lado, na capital Bogotá, que de certa forma está mais protegida das influências do terror e da fraude, a esquerda levou a maior parte dos votos.

Acompanhando as redes sociais e a ação de figuras como Uribe, fica bastante claro que o terror ainda é o melhor instrumento que a classe dominante usa para se manter no poder. Durante a campanha, Uribe postou no seu twitter e no facebook dezenas de imagens chocantes de policiais e militares colombianos mortos, supostamente pela guerrilha, argumentando que só sua "mão firme" traria paz para a Colômbia, opondo-se assim às iniciativas de paz que acontecem agora no país.

Também disparou sua metralhadora de palavras contra o que chama de "castro-chavismo", dizendo que, com ele, isso não iria vingar na Colômbia. É bem possível que sua ação no senado seja a de colocar obstáculos ao processo de paz, impedindo os avanços constitucionais que estão em discussão. É certo que como senador ele não vai contar com a força que tinha como presidente, mas, com certeza será a voz mais forte do terror no legislativo, liderando seus 19 colegas de partido - que nada mais é do que uma dissidência dentro da classe dominante. Ou seja, em muitas coisas, tanto o seu partido como os outros três - de linha conservadora - que têm a maioria, vão concordar. A divergência maior, que fez, inclusive, Uribe se desentender com Santos, é o diálogo com as FARCs, coisa que Uribe não quer de jeito nenhum , por motivos óbvios. A guerra é fonte de enriquecimento para ele e seus parceiros.
Num universo de 102 senadores, a esquerda ficou com apenas 10 cadeiras. Seguirá com seu papel de denúncia, sem muita influência real nas decisões.

Agora, terminada a eleição legislativa, as forças já começam a campanha para a disputa presidencial, que acontece em maio desse ano. O presidente Juan Manuel Santos, que já tem como aliados os partidos Liberal e o Câmbio Radical, anunciou que vai buscar a reeleição e certamente buscará um acordo com seus parceiros de classe. É comum as divergências ficarem em suspenso nesses momentos em que o principal é garantir o seguimento do controle do país. Ainda assim, o Partido Conservador sairá com candidatura própria, o que nada inviabiliza alianças para o segundo turno. Igualmente haverá candidato próprio no partido de Uribe, que tem se mostrado implacável com o velho amigo, hoje presidente e inimigo. É Óscar Zuluaga, considerado um marionete na mão do agora senador.

O principal partido de oposição, o Polo Democrático, tem vivido algumas turbulências, com movimentos dissidentes dentro dele, mas já tem uma candidatura de fôlego, a economista Clara López Obregón, de larga militância de luta e administrativa, tendo sido prefeita de Bogotá, com atuação bastante elogiada. A União Patriótica, outro partido de esquerda, definiu a comunista Aída Abella como candidata à presidência. "Acusada" pelos paramilitares de ter ligações com as FARCs, ela tem sido constantemente ameaçada de morte. Não será uma campanha fácil na Colômbia, e as eleições legislativas já mostraram que a fraude e a violência seguem sendo o cardápio usual. Assim, nenhuma novidade será se tudo permanecer como está.

 

 

Fonte: Revista Missões

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