A Páscoa na Querida Amazônia

05 de abril de 2021

Na Vigília Pascal, contemplamos três importantes passagens da história da salvação que são inspiração para viver os sonhos do Papa Francisco para a Querida Amazônia.

Por Júlio Caldeira *

Partindo da inspiração de que a palavra Páscoa, do hebreu “pesah”, significa passagem, ir adiante, nos vem à mente a proposta de seguir o caminho rumo à conversão integral, como é o sonho de Deus para a humanidade. Nas leituras da Vigília Pascal contemplamos três importantes passagens (páscoas) da história de salvação, que nos leva a fortalecer os sonhos do Papa Francisco para nossa Querida Amazônia.

Páscoa da criação (Gn 1, 1-31) – Do caos, Deus criou tudo...

Essa “primeira” Páscoa nos faz ver que do nada, do vazio, tudo foi criado. Deus cria, põe ordem em tudo e nos chama, como homens e mulheres, a cuidar da Casa Comum, de toda a criação que havia feito e que viu que “era muito boa”; entre elas está a Querida Amazônia. Detendo-nos na parte final do primeiro capítulo de Gênesis (1,19-31), depois de criar o homem e a mulher a sua imagem e semelhança, vemos que Deus os abençoou e entregou todos os seres criados: peixes, pássaros, animais, plantas, árvores e vegetais para alimento.

Para cumprir esse projeto de Deus, o Papa Francisco recorda que “a Querida Amazônia apresenta-se aos olhos do mundo com todo o seu esplendor, o seu drama e o seu mistério” (QA, 1). Refletindo nessa realidade, nos vêm muitos elementos para sonhar com o projeto de Deus de uma Igreja encarnada de modo original na Amazônia, tanto na pregação, como na espiritualidade e estruturas.

Papa Francisco na Amazônia peruana em 2018 – Foto: Miguel Arreátegui

Papa Francisco na Amazônia peruana em 2018 – Foto: Miguel Arreátegui

O Papa expressa quatro sonhos que a Amazônia lhe inspira a nível social, ecológico, cultural e eclesial:

Sonho com uma Amazônia que lute pelos direitos dos mais pobres, dos povos nativos, dos últimos, de modo que a sua voz seja escutada e que sua dignidade seja promovida. Sonho com uma Amazônia que preserve a riqueza cultural que a caracteriza e na qual brilha de maneira tão variada a beleza humana. Sonho com uma Amazônia que guarda zelosamente a sedutora beleza natural que a adorna, a vida transbordante que enche os seus rios e as suas florestas. Sonho com comunidades cristãs capazes de se devotar e de se encarnar na Amazônia, a tal ponto que deem à Igreja rostos novos com traços amazônicos” (QA, 7).

Estes sonhos nos fazem ver que temos muito que trabalhar para construir o mundo “bom” que Deus sonha para todos os seres que habitamos este planeta. Por onde devemos começar?

Páscoa da libertação (Êxodo 14,15-15,1) – Da escravidão à liberdade…

Deus nos fez para ser livres e que tenhamos vida em abundância. Nesse ponto está a sua preocupação libertar o seu povo da escravidão. Mas, infelizmente, como no passado, muitos confundem liberdade com libertinagem, que é justamente a extrapolação dos limites da liberdade, irresponsabilidade que prejudica a si e a outras pessoas, atuar sem moderação e sem se importar com as consequências que o próprio comportamento pode ter para si, para as demais pessoas e para todo o mundo.

E é assim que muitos se tornam novamente escravos de vícios (drogas, bebidas, pornografia, mentira, corrupção, internet e redes sociais, jogos, etc.). Além do mais, há pessoas que se tornam escravos dos bens materiais e do acúmulo só para si: sua única preocupação é ter. Neste mundo, são muitas as coisas nos iludem e vamos atrás delas e deixamos a vontade de Deus num segundo lugar.

Para refletir na escravidão atual, é muito acertada a famosa frase de são Paulo (1Cor 6,12): “Posso fazer tudo o que quero, mas nem tudo me convém; posso fazer tudo o que quero, mas não deixarei que nada me torne escravo” (1Cor 6,12). Nós temos capacidade de fazer muitas coisas, mas nem tudo é bom; nisso somos chamados a pensar nas consequências de nossas palavras e ações antes de praticá-las.

Vista aérea de uma grande queimada em Rondônia. Foto: Victor Moriyama – Greenpeace

Vista aérea de uma grande queimada em Rondônia. Foto: Victor Moriyama – Greenpeace

Também na nossa Querida Amazônia, fruto do pecado e egoísmo, vemos muitas situações de injustiça e crime, como os movimentos migratórios para as periferias das cidades que ocasionam piores formas de escravidão, sujeição e miséria, e faz crescer a xenofobia, a exploração sexual e o tráfico de pessoas (cf. QA, 10), a exploração desordenada da terra que leva à devastação da floresta, queimadas, garimpo, agronegócios e projetos hidrelétricos, e aqui poderíamos numerar muitas outras situações, que provocam grandes dramas à população (cf. QA, 12).

Diante dessa situação “é preciso indignar-se, como se indignou Moisés (Ex 11,8), como Se indignava Jesus (Mc 3,5), como Se indigna Deus perante a injustiça (Am 2,4-8; 5,7-12; Sl 106[105],40). Não é salutar habituarmo-nos ao mal; faz-nos mal permitir que nos anestesiem a consciência social, enquanto um rastro de dilapidação, inclusive de morte por toda a nossa região” (QA, 15).

Não devemos perder o sentido comunitário e o diálogo social para encontrar a comunhão e lutar conjuntamente para construir o Reinado de Deus, que é um projeto de libertação integral.

Páscoa da Ressurreição (Novo Testamento) – da morte à vida

Jesus venceu aquela realidade que para muitos, inclusive para muitos de nós, parece impossível: a morte. Vemos nos relatos do Novo Testamento que Jesus, o crucificado e morto, foi ressuscitado por Deus! Esse é o ponto que dá sentido à nossa vida e fé.

É o encontro com Jesus ressuscitado que mantém viva a esperança dos primeiros discípulos, da mesma forma que em nossos dias, onde temos a esperança de dias melhores. Com isso somos chamados, como discípulos e missionários de Jesus, a estar plenamente com Deus em todos os momentos: nas alegrias e tristezas, na morte e na vida, nas dores e nas vitórias.

Via Sacra pelas ruas de Roma em outubro de 2019 – Foto: Jaime C. Patias imc

Via Sacra pelas ruas de Roma em outubro de 2019 – Foto: Jaime C. Patias imc

“Como cristãos, a fé em Deus une a todos, o Pai que nos dá a vida e tanto nos ama. Une-nos a fé em Jesus Cristo, o único Redentor, que nos libertou com o seu bendito sangue e a sua ressurreição gloriosa. Une-nos o desejo da sua Palavra, que guia os nossos passos. Une-nos o fogo do Espírito que nos impele para a missão. Une-nos o mandamento novo que Jesus nos deixou, a busca de uma civilização do amor, a paixão pelo Reino que o Senhor nos chama a construir com Ele. Une-nos a luta pela paz e a justiça. Une-nos a convicção de que nem tudo acaba nesta vida, mas estamos chamados para a festa celeste, onde Deus enxugará as nossas lágrimas e recolherá o que tivermos feito pelos que sofrem” (QA, 109).

Realmente temos muitas “lutas e sonhos”, que nos animam a viver unidos em comunidade e seguir na construção de um mundo melhor, fortalecidos pela Boa Notícia da ressurreição que todos esperamos. O Evangelho não devo guardar só para mim, de maneira egoísta e intimista, senão que devo anunciar as maravilhas que Deus realiza em nossas vidas, comunidades e sociedade, e unirmos forças para vencer os projetos de morte provocados pelas “pandemias” vivemos na atualidade e que provocam miséria e morte (do coronavirus, da corrupção, das desigualdades, da destruição da Casa Comum, da indiferença, do “usar o nome de Deus em vão”, da omissão, etc.)

“Cristo redimiu o ser humano inteiro e deseja recompor em cada um a sua capacidade de se relacionar com os outros. O Evangelho propõe a caridade divina que brota do Coração de Cristo e gera uma busca da justiça que é inseparavelmente um canto de fraternidade e solidariedade, um estímulo à cultura do encontro” (QA, 22).

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Deixemos de lado o pessimismo e mostremos que, mantendo-nos firmes na esperança e no caminho, alcançaremos a construir esse mundo melhor para todos, esse “bem viver” que anelam nossos povos da Amazônia (e de todo o mundo). Aos que estamos no caminho (cf. Lc 24,13-35), e aos que encontrarmos nele, somos chamados a unir forças, caminhar juntos e juntas neste grande projeto do Reino de Deus.

Jesus ressuscitou e quer que tenhamos vida em abundância! Sejamos agradecidos a Deus e fortaleçamos nosso compromisso com Jesus ressuscitado. Não tenhamos medo! Jesus ressuscitou, aleluia!

* Pe. Júlio Caldeira é missionário da Consolata e coordenador das comunicações da REPAM.

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