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Entrevista

Desafios da fé e da comunicação religiosa na contemporaneidade

Por Redação

Padre Mauro Negro, Oblato de São José, é professor de Teologia Bíblica e de Sistemática na PUC-SP. Colaborador da revista Missões há anos, sendo responsável pela rubrica Bíblia, padre Mauro entende que não vivemos em um ateísmo, uma negação de Deus. Pelo contrário, fala-se muito de Deus, muito de sua ação, de sua presença e de suas características, geralmente fantasiadas, não raro em forma de fetiches ou amuletos. Nosso tempo é marcado pelas religiosidades, com muitas fórmulas e expressões. Inclusive podemos constatar que muitos que são violentos, agressivos e perigosos, são marcados por perfis religiosos, sendo que alguns fazem a guerra ou mantém a violência em nome de divindades. É possível ver indivíduos diabólicos sendo valorizados em ambientes sociais pelas benfeitorias sociais que realizam.

Como colunista do novo portal da Família Consolata, padre Mauro acredita que a formação é o primeiro caminho para o conhecimento. Não se trata de conhecimento por conhecimento, como curiosidades partilhadas, como um manual de coisas e situações. Temos muitos sites e canais na internet que propõem coisas deste tipo em torno à Fé e à sua vivência. Exemplo disso foram os muitos momentos, programas e exposições sobre o Papa e tudo o que a ele diz respeito quando do óbito de Francisco e posterior escolha de Leão XIV. Mas pouco, muito pouco se cresceu em conhecimentos válidos, sólidos, consequentes sobre a Igreja, sobre a Fé e sua vivência com aquilo. Para ele, é indispensável educar, e para tanto é preciso informar, formar, propor, ampliar a visão, considerar horizontes e caminhos. 

Padre Mauro, como professor de teologia, como o senhor vê a questão da fé das pessoas atualmente, com tantas notícias ruins, acontecimentos como guerras e violência em todos os níveis. Acha que as pessoas ainda acreditam em Deus?

Sou Professor de Teologia, de modo especial de Teologia Bíblica, mas também de Sistemática, com alguma pequena colaboração na área da Filosofia. Digo isso não por esnobismo, mas para poder argumentar a respeito, considerando a questão proposta. Estas áreas são pouco valorizadas na atualidade, pois o que parece ser oportuno é o imediato, o rápido, o eficaz. A habilidade técnica, a rapidez, sobretudo, os resultados salariais são otimizados. Qualidade não é tão importante, exatidão e relação de fidelidade é um elemento virtual, não humano. De fato, quase nunca se dialoga com uma pessoa em um chat de uma empresa, mas apenas com um robô, um computador, que não tem senso ético ou princípios morais. 

Já os temas ligados ao valor e significado da vida, à transcendência ou à justificação pessoal, temas que são abordados na Filosofia, Teologia e Sagrada Escritura, áreas que investigo, além de não renderem muito economicamente, não são de interesse imediato. Eles existem no sentido de criar e alimentar a Sabedoria, o conhecimento de si, do outro e do imensamente Outro, que é Deus. Então, meus temas de estudo não têm muito apelo profissional, social ou econômico. Contudo, isso não me assusta. Primeiramente, sempre há alguém que se preocupa com o espírito, com as ideias, com os princípios. De modo especial, sempre alguém pode desejar compreender a comunicação de Deus com a Humanidade, compreender Jesus Cristo, o Senhor, a Trindade, a identidade e a vida da Igreja, e os sinais sagrados, que são os Sacramentos. E tem sempre o desafio de criar a capacidade de compreender as partes dos argumentos, os elementos que compõem os fenômenos físicos, sociais, políticos e tudo o que toca a História humana. Então, embora a Teologia e a Filosofia não façam muito sucesso na atualidade, sempre alguém está aberto a compreender e crescer na sabedoria. E sobre isso eu invisto grande parte de meu tempo e dos meus esforços. 

Quanto a Deus e a credibilidade que lhe é devida, este é um assunto sério. Há uns 15 anos começou-se a falar de algo como uma “religiosidade líquida”, isto é, sem definição, sem identidade. Fundamentalmente uma religiosidade sem Mistério, sem a presença de um Deus transcendente que age na História. A busca hoje é de uma divindade que age na emoção, dos desejos, nos afetos e pensamentos. É uma projeção humana em um suposto Ser Superior, não uma real imagem ou compreensão de Deus. O Cristianismo, na sequência do Judaísmo, propõe Deus que se revela, que intervém de modo pessoal e histórico, mas sem deixar de respeitar a identidade humana de imagem e semelhança com Deus. A pós-modernidade na qual vivemos no Ocidente e em grande parte do mundo projeta uma divindade a partir de suas próprias neuras, interesses, sonhos e fantasias autorreferenciais. 

Porém, devo afirmar que não vivemos em um ateísmo, uma negação de Deus. Pelo contrário, fala-se muito de Deus, muito de sua ação, de sua presença e de suas características, geralmente fantasiadas, não raro em forma de fetiches ou amuletos. Nosso tempo é marcado pelas religiosidades, com muitas fórmulas e expressões. Inclusive podemos constatar que muitos que são violentos, agressivos e perigosos, são marcados por perfis religiosos, sendo que alguns fazem a guerra ou mantém a violência em nome de divindades. É possível ver indivíduos diabólicos sendo valorizados em ambientes sociais pelas benfeitorias sociais que realizam. E vemos líderes políticos usar das expressões religiosas. Desta forma, vivemos em um tempo no qual a ideia de Deus é muito forte e presente, talvez mais do que em certo passado recente, quando as ideologias eram muito mais marcantes e não líquidas em suas expressões como agora. Notemos, porém, que guerras, violências e contradições humanas não são invenções de nossos tempos: sempre existiram, mas não eram tão difundidos como o são agora. 

Enfim, é por isso que penso na importância de mais Filosofia, mais Teologia e mais Sagrada Escritura para os que estão na Igreja. Claro que não estou ignorando a urgência da espiritualidade, mas insisto nestas áreas elencadas e nos princípios teóricos, profundos e amplos. 

Como analisa a questão do avanço tecnológico, a influência das redes sociais no comportamento religioso das pessoas? Muita informação ajuda ou atrapalha na questão religiosa? Como enxerga o futuro da Igreja refletindo sobre essa questão?

O avanço tecnológico não é acompanhado de avanço humano, infelizmente. Tomemos a rede mundial de computadores, a internet, que começou a ser formada nos anos de 1960 e evoluiu, tecnologicamente, de modo impressionante nos últimos vinte anos. O que nasceu como comunicação entre Universidades, passando pelo uso militar e social, tornou-se uma vitrine de estupidez sem limites, pontuada de propostas de várias naturezas. O problema e mesmo o desafio não são as tecnologias, e sim o que se faz com elas. Eu mesmo usei um pouco o recurso das redes sociais, mas sempre me questiono a respeito das suas regras, que basicamente dizem respeito ao sucesso dos canais, aos milhares e milhões de visualizações, à exposição múltipla de pessoas e suas opiniões. Quase nunca é algo ligado ao crescimento pessoal e social. Isso existe, claro, e eu acompanho e admiro os que mantêm estas propostas, mas isso compreende um esforço enorme e persistente, que absorve um tempo muitas vezes precioso.

Quanto às informações que se obtém das redes sociais, o caso é a qualidade e, antes ainda, a verdade que elas expressam ou não. Sinceramente, o que vejo é que a Verdade é pouco procurada, e sim as opiniões pessoais. Mesmo dentro da mídia católica há fragilidades múltiplas, sendo a principal, talvez, a falta de unidade eclesial. Conheço uns três personagens das redes que, falando em nome da Igreja, opinam contra a Igreja, com o Magistério da Igreja, e às vezes alimentam ideologias ao invés de Teologias. E tem ainda o desafio da qualidade da comunicação, que não raro é de doer! 

O que vejo é que as redes sociais “educam” os fiéis mais do que as Comunidades de Fé, de modo especial mais do que as Paróquias. E isso assusta, pois a Fé é algo pessoal, no sentido de ser da pessoa e entre pessoas e seu Deus. Uma vez, quando começaram as Missas televisivas, falava-se nos “tele beatos” (com certa maldade). Depois, com a pandemia, começamos o tempo das transmissões amadoras, criando o “tele fiel da Paróquia”, com o perdão da expressão. Isso era necessário por um tempo, no auge do problema. Mas agora, o que se busca? Um encontro com o Mistério? Um caminho de conversão? Uma experiência com Deus na Igreja, na Comunidade, na história? 

Por outro lado, a Igreja no Brasil estabeleceu um processo de Iniciação à Vida Cristã que é uma solução possível e fértil dos desafios que encontramos. Porém, é um processo difícil de se estabelecer, pois a nossa mentalidade, como fiéis e pastores, ainda é limitada. No máximo, agora pensamos na Fé considerando as já anotadas redes sociais. Parece que assumimos uma roupagem nova, virtual, mas não renovamos os argumentos. O que me parece é que ainda vivemos expressões teológicas e mesmo litúrgicas que não estão em sintonia com a Igreja, em especial com o Concílio Vaticano II. Vemos formas novas, muitas vezes contrárias à Tradição da Igreja, mas conteúdos desgastados. Querer resultados novos agindo de modo velho é impossível. Papa Francisco falava e afirmava seu “sonho” de uma Igreja diferente, renovada, fiel aos seus princípios e não a modismos. Não vejo as redes sociais colaborando neste sentido. Sim, vejo alguns esforços e maravilhosos exemplos, mas devemos caminhar mais. 

O senhor aceitou ser articulista do novo Portal da Família Consolata. Acredita que a comunicação com o sentido de uma formação religiosa, ou até de informação, seja importante para o desenvolvimento ou crescimento da fé da pessoa?

Sem dúvida que a formação é o primeiro caminho para o conhecimento. Não se trata de conhecimento por conhecimento, como curiosidades partilhadas, como um manual de coisas e situações. Temos muitos sites e canais na internet que propõem coisas deste tipo em torno à Fé e à sua vivência. Exemplo disso foram os muitos momentos, programas e exposições sobre o Papa e tudo o que a ele diz respeito quando do óbito de Francisco e posterior escolha de Leão XIV. Mas pouco, muito pouco se cresceu em conhecimentos válidos, sólidos, consequentes sobre a Igreja, sobre a Fé e sua vivência com aquilo.

Então, é indispensável educar, e para tanto é preciso informar, formar, propor, ampliar a visão, considerar horizontes e caminhos. Tento, ainda que modestamente, caminhar um pouco nesta direção. 

Quanto a aceitar em ser articulista do Portal Família Consolata, para mim é uma honra e uma satisfação pessoal. Durante alguns anos eu colaborei com artigos para a Revista “Missões: A Missão no Plural”, o que foi prazeroso para mim. Os Missionários da Consolata, as Irmãs e os Leigos ligados a esta espiritualidade carismática são sinais de Fé e Esperança em lugares desafiadores, inclusive onde há violência, fome e negação da humanidade. Meus artigos são uma parcela mínima de contribuição na missão missionária da Consolata. Eu agradeço demais esta honrosa oportunidade, especialmente à amiga Emerenciana, editora deste trabalho.

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