Consciência ecológica deve ser filosofia de vida!
Entrevista com Marcus Eduardo de Oliveira, colunista do novo Portal Consolata Brasil faz pensar sobre o colapso ecológico que assola o planeta.
Por Maria Emerenciana Raia
Conversamos com exclusividade, com o economista e ativista ambiental Marcus Eduardo de Oliveira, que há mais de uma década compartilha reflexões profundas na coluna Fé em Ação da Revista Missões. Com uma trajetória marcada pelo engajamento em temas como justiça socioambiental e limites do crescimento econômico, Marcus agora integra também o time de colunistas do novo Portal Consolata Brasil. Autor de obras relevantes como “Economia Destrutiva” e “Civilização em desajuste com os limites planetários” (Editora CRV), acaba de lançar seu mais recente livro, “A civilização em risco” (Editora Jaguatirica), no qual aprofunda sua análise crítica sobre os rumos da humanidade diante das crises ecológica e social. Nesta entrevista, ele compartilha suas visões sobre economia e meio ambiente e o colapso ecológico que essa relação produz no planeta.
Estamos vivendo uma crise planetária grave, seja em termos naturais (alteração na temperatura, mudanças climáticas, inundações, secas etc.) seja em termos sociais (guerras, conflitos, violência etc.). Como essas questões colaboram para um provável colapso ecológico, na sua opinião?
Eu imagino, em primeiro lugar, que já estamos no meio de um colapso ecológico gestado pela lógica predatória própria do capitalismo devorador de recursos. Caímos nessa armadilha pelo menos desde os últimos 40 anos. Essa lógica que citei, e é muito importante entender isso, é incompatível com a preservação do equilíbrio ecológico do planeta. Daí, desencadeia-se uma série de adversidades. Basta perceber que, enquanto a temperatura global da atmosfera continua batendo recordes e as concentrações de CO2 continuam a subir, os ciclos naturais da Terra, indispensáveis ao projeto civilizatório, são severamente castigados. Isso compromete a habitabilidade do planeta. Portanto, quando a maioria dos especialistas fala em colapso ecológico não se pode perder de vista todas as perdas da natureza. E nunca se perdeu tanta biodiversidade como agora – uma espécie desaparece por dia. A capacidade e as funções dos ecossistemas nunca foram tão abaladas como tem sido nesse momento. A fragmentação de habitats é a maior da história e o ecocídio capitalista assusta pela violência que provoca. E tudo acontece de forma muito rápida. A ciência mostra que a sociedade humana, ao longo dos últimos tempos, dessas últimas quatro décadas, para ser mais preciso, já alterou 75% da superfície terrestre e 40% das áreas oceânicas. Já colocamos 1 milhão de espécies de animais e vegetais em situação de perigo de extinção. Por força das atividades econômicas, o mundo já perdeu 45% de florestas tropicais, diminuindo a capacidade de sequestrar carbono. Em termos sociais, como você faz questão de destacar, temos sido incapazes, por exemplo, de fazer a gestão do sistema alimentar global que vem perdendo sua resiliência. O mundo ainda contabiliza mais de 780 milhões de bocas que passam fome e um terço da humanidade enfrenta insegurança alimentar. Nessa triste realidade, o mundo joga no lixo mais de um bilhão de refeições por dia. Estou falando de 132 quilos de resíduos alimentares per capita. A indisponibilidade de água potável alcança ¼ da população mundial. Portanto, não surpreende perceber que a sociedade humana, em linhas gerais, tem muitas e significativas dificuldades de cuidar do planeta, proteger o ecossistema global e preservar o sistema-vida.
Com o conflito envolvendo o Irã e os EUA, podemos imaginar que uma guerra nuclear pode estourar a qualquer momento. Qual o impacto disso no já esgotado planeta Terra?
Em primeiro lugar, guerra e meio ambiente é uma “combinação” lesiva e altamente corrosiva que devasta qualquer possibilidade de equilíbrio, seja o ambiental, o social ou mesmo o humanitário, digamos assim. Os prejuízos trazidos ao meio ambiente e à biodiversidade pela guerra, pelas guerras, melhor dizendo, pelos conflitos modernos, como alguns gostam de chamar, são enormes, e tem longa duração. A natureza é a primeira vítima! Basta lembrar que toda e qualquer guerra exige uso intensivo de recursos. Petróleo, madeira, água. Causa muita degradação do solo. Fontes de geração de energia são prontamente afetadas. A poluição gerada por um conflito e a destruição de ecossistemas, ouso dizer, estão no centro desse debate. Da mesma forma acontece com as contaminações químicas, seja em corpos d’água, no solo, enfim. Há prejuízos que minam a qualidade do sistema vida. Portanto, estamos falando de impactos ambientais que, em geral, demandam muito tempo para recuperar áreas e ambientes atingidos. O custo ambiental aí envolvido, para não falar especificamente da perda de vidas humanas e não humanas, é muito significativo. A dinâmica atmosférica é bastante afetada pela extensão de uma guerra. Imaginemos, assim, de forma rápida, que os conflitos geram quantidades excessivas de emissões de dióxido de carbono. Uso de aviões, deslocamentos de tropas, de veículos preparados belicamente. Trata-se de uma conta que cresce muito. Mesmo o alto som das explosões ou do uso de aviões de caça, por exemplo, afeta a fauna. Como se supõe, nem sempre as explosões ocorrem em áreas urbanas. A zona rural, não raras vezes, é afetada, afetando então o habitat das mais variadas espécies, que logo se afugentam.
O que nós podemos fazer para melhorar a vida no planeta? Sabemos que decisões governamentais envolvendo a questão econômica foge ao nosso controle, porém, como cidadãos comuns o que podemos fazer para minimizar o colapso ecológico que se avizinha?
Efetivamente, eu penso que precisamos reconhecer que, com o estilo de vida ocidental (a cultura ocidental que nos fizeram admirar) que adotamos, cada um de nós contribui para a crise do meio ambiente. Quer dizer, em conjunto, por diversas razões, ajudamos no desajuste planetário. Isso é uma espécie de prêmio amargo para a nossa irresponsabilidade, principalmente a ambiental. A expressão pode parecer muito forte, irresponsabilidade ambiental, mas estou convencido de que é isso mesmo: há um desajuste provocado por nosso antropocentrismo, que é dominador, que é influente, que é majoritariamente invasivo e arrogante. Não foi por acaso que nos colocamos no centro de tudo, idealizando poder dominar tudo, inclusive a natureza. Combinado a isso, com o nosso modelo de economia, obcecado pelo crescimento a qualquer custo, afrontamos a biosfera. Isso quer dizer que estamos produzindo perturbações nos processos da natureza. Nesse sentido, e vendo a questão de forma ampliada, não dá para tirar a razão de Aílton Krenak quando diz que “o modo de funcionamento da humanidade entrou em crise”. Nós estamos em crise, provocando a crise ecológica, climática. Somos nós, sociedade consumidora, que mudamos o curso de rios e transformamos florestas inteiras em cinza. Os principais sinais vitais da Terra estão em estado crítico e isso se deve aos múltiplos interesses econômicos que estão nas mesas das grandes corporações nacionais ou não. A metáfora que tão bem ilustra esse estado de coisas, e que todos em certo momento conseguem alcançar, é imaginar que o planeta está adoecido. Nós e nossa economia global somos a causa. Uma vez reconhecido isso, daí em diante precisamos recompor nosso modo de viver. Devemos repensar o tipo de vida que levamos, os hábitos de consumo e descarte que praticamos. O tipo de crescimento que professamos. A ideologia da prosperidade que almejamos. Perceba então que há todo um modo funcional que precisamos colocar em discussão. Estou do lado daqueles que imaginam que não é possível imaginar que vamos nos dar bem, que vamos avançar, num planeta esgotado que perde, por força de interesses econômicos dos poderosos, repita-se, mais de 10 milhões de hectares de florestas todos os anos. E aqui, pensando nisso, eu concordo muito com José Esquinas, ativista espanhol, que diz abertamente que “se não pararmos a destruição de nosso planeta, nada mais terá importância”. Portanto, me parece que é inquestionável o ponto mais delicado nessa seara: a crença cega no progresso ilimitado, sustentada pela ideologia do mercado e pela submissão da natureza ao grande capital, que tem nos conduzido a uma rota de autodestruição. Agora que a conta chegou, temos urgência de desviar desse caminho. Contudo, a questão em si, a meu ver, não se resume a salvar a Terra. A causa inadiável é uma só: salvar a nós mesmos.
Agradecemos por sua resposta aceitando ser um dos nossos articulistas do novo site da Família Consolata no Brasil (missionários, missionárias, irmãos e leigos). Como analisa a importância da comunicação para a minimização dos impactos causados pela ganância econômica no meio ambiente?
Essa pergunta é fundamental, central, eu diria, porque, de imediato, me leva a pensar em uma de nossas carências mais sentidas: a falta de alfabetização ecológica, tema muito caro à Fritjof Capra. Estou falando, portanto, e num sentido mais direto, de um processo de educação para um mundo sustentável. Me incomoda perceber que isso ainda ocupa poucos espaços. É preciso ampliar isso, não apenas nas discussões acadêmicas, nos seminários internacionais, mas, sobretudo, nas relações cotidianas. A consciência ecológica precisa ser transformada em filosofia de vida! Eu vejo a educação ambiental, para falar num termo mais refinado, como o mais significativo dos pilares para a construção de novas posturas em relação ao comportamento da sociedade com o meio ambiente, e, claro, numa relação direta com tudo o que a cerca. Pela educação ambiental, ouso imaginar, nós vamos entender de vez que somos parte integral do mundo natural. Ora, como todos os sistemas vivos, fazemos parte de outros sistemas vivos. Por isso, precisamos estabelecer uma relação mais harmoniosa com tudo o que tem vida. Com mais consciência ecológica vamos construir um novo olhar para a ideia-central da sustentabilidade, entendendo que são os ecossistemas que sustentam a rede da vida. Daí a importância de saber escutar os povos originários; valorizar como se deve a pedagogia indígena. São eles, afinal, que nos ensinam, assim diz com propriedade Eduardo Viveiros de Castro, como viver em harmonia com a natureza, no meio desse caos, desse barulho antropocêntrico, que nós próprios organizamos e gestamos. Resta claro que já passou da hora de discutirmos os modos necessários à existência saudável. E isso implica em entender a importância da ecologia no desenvolvimento do próprio sistema vida. O próprio Capra, dono de um olhar mais atento, diz, com seus quase 90 anos, que a sobrevivência da humanidade no futuro depende da nossa habilidade de entender os princípios básicos da ecologia. É nessa linha que eu acredito. Que faço a minha profissão de fé. É nessa perspectiva que eu vejo a alfabetização ecológica e, junto a isso, toda a forma de comunicação, desde que seja séria e comprometida, como se faz aqui, com a Família Consolata no Brasil, levando uma mensagem de esperança na humanidade, num futuro mais equilibrado. Isso tudo depende de nós. Depende do empenho de cada um. Depende de nosso compromisso com a vida, com o planeta, com a natureza. Depende, por fim, da compreensão sistêmica da vida, dos ciclos da natureza funcionando em equilíbrio. Depende de percebermos, enfim, a interconexão com toda a criação.
Maria Emerenciana Raia é jornalista da Equipe de Comunicação do Instituto Missões Consolata (IMC) e das Missionárias da Consolata (MC).