Natal não é decoração
O verdadeiro Natal acontece quando reconhecemos que há luz que não podemos fabricar, mas acolher. É a luz da esperança, sem artifício, que se tece no silêncio, no perdão, na reconciliação, na coragem de recomeçar.
Há um instante do ano em que a luz parece pousar diferente sobre as coisas. Ela não brilha porque a multiplicamos em lampadinhas cintilantes, vitrines ou ruas, mas porque o coração percebe que algo essencial quer nascer de novo. Esse instante se chama Natal.
Muitas vezes confundimos Natal com decoração: como se o mistério de Deus coubesse numa guirlanda, num enfeite cintilante ou num personagem simpático que aprendeu a ocupar todos os cenários, o famoso pai Natal. Não que isso tudo seja errado, o riso, a cor, a festa são boas notícias, mas há um risco silencioso: o de reduzirmos o Natal a um palco onde a superfície ganha mais destaque que o profundo, onde o passageiro fala mais alto que o eterno.
O Natal, porém, não é um tempo de ornamentos; é um tempo de transformação. A manjedoura não é um adereço: é um terremoto suave, um abalo luminoso que desloca o eixo do mundo.
Deus entra na história não como quem quer enfeitar, mas como quem deseja recriar e fazer novas todas as coisas. Não traz brilhos artificiais, mas uma luz que nasce da vulnerabilidade, acesa no coração de quem se deixa tocar.
Quando a tradição popular inventou o Pai Natal, quis talvez traduzir a generosidade de Deus em gestos de bondade humana. Mas às vezes, sem perceber, esse bom velhinho acaba tomando um protagonismo que não lhe pertence. Ele entrega presentes; Cristo entrega presença. Ele vem uma vez por ano; Cristo nasce, todos os dias, sempre e quando o deixemos entrar. O Pai Natal visita casas; Cristo visita vidas. Não precisamos apagar o Pai Natal, basta só devolvê-lo ao seu lugar secundário, permitindo que o essencial brilhe com a simplicidade e profundidade que merece.
Porque o verdadeiro Natal acontece quando reconhecemos que há uma luz que não podemos fabricar, mas apenas acolher. É a luz da esperança, uma esperança sem artifício, que não depende de neve, renas ou presentes, mas que se tece no silêncio, no perdão, na reconciliação, na coragem de recomeçar.
O Natal transforma quando, ao olhar o Menino Jesus, percebemos que Deus aposta de novo na humanidade. Ele acredita em nós mais do que nós mesmos acreditamos. Ele nos devolve o futuro que às vezes pensamos ter perdido. A esperança que o Natal traz não é uma ideia bonita: é uma força que acende o que estava apagado, que reconstrói o que parecia irremediável, que instala vida onde só víamos resto e sombra.
Por isso, neste tempo bendito e de graça, talvez devamos enfeitar menos a casa e iluminar mais o coração; preocupar-nos menos com o exterior da festa e mais com o interior do encontro; sentir menos ansiedade pelo que falta comprar e mais gratidão pelo que Deus insiste em nos dar.
Porque o Natal não é decoração, é revelação. Não é o brilho das coisas, é a claridade de Deus na profundo de cada um de nós. E quando deixamos essa luz entrar, ela nos transforma, não enfeita.
Mauricio Guevara, imc, é reitor do Seminário Internacional da Consolata João Batista Bisio, São Paulo, SP.