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Pastoral Afro

Encontro inédito da Pastoral Afro na Argentina

EPA realizado na Argentina aponta prioridades e reacende a memória do “rosto afro” presente na fé do continente.

Por Ibrahim Muinde 

Entre os dias 4 e 8 de novembro de 2025 foi realizado em Luján, província de Buenos Aires, Argentina, o XVI Encontro da Pastoral Afro-Americana e Caribenha (EPA). O tema que guiou essa caminhada sinodal foi “Afrodescendentes, seus gritos e suas esperanças dentro de uma Igreja Sinodal” e o lema: “Manual da Virgem de Lujan: o rosto afro do povo peregrino”.

Participaram do EPA delegações de 13 países, dentre os quais os missionários e as missionárias da Consolata trabalhando nessa causa no continente americano. 

Este Encontro foi celebrado no âmbito do ano jubilar onde fomos convidados a ser “Peregrinos da Esperança” para enfrentar as várias formas de exclusão, a crise climática, as divisões, as guerras, as doenças, entre outras, procurando ser um momento para restaurar a confiança e a esperança em Deus.

O encontro na Argentina teve forte densidade simbólica: realizado aos pés da Virgem de Luján, recordou a história do Negro Manuel, o homem escravizado que, no século XVII, acolheu, cuidou e difundiu a devoção à padroeira argentina. Seu testemunho se tornou inspiração para os participantes, reforçando a consciência de que a espiritualidade afro é parte viva e constitutiva da identidade católica latino-americana.

É a primeira vez que um EPA é realizado em um país que não teve processos pastorais afros, que nunca participou de um EPA, e que, por sua vez, a diocese que o recebeu não é a mesma que o realizou. A comissão organizadora e a pastoral afro-americana viu esses sinais como a ação do Espírito Santo que falou e indicou caminhos da esperança; foi um verdadeiro KAIRÓS para nossos povos. 

Clamores e prioridades 

Em oração, rodas de conversa, plenárias e celebrações, os participantes do XVI EPA identificaram os principais clamores que orientarão a missão da Pastoral Afro nos próximos anos. São prioridades que brotam da vida concreta das comunidades, iluminadas pela ação do Espírito:

1. Visibilização das comunidades afro

A invisibilização histórica permanece como ferida aberta. O Encontro reafirmou a urgência de dar rosto, nome e voz aos afrodescendentes na vida social e também na vida eclesial. Valorizar sua presença é reconhecer a totalidade da história de salvação vivida em nosso continente.

2. Enfrentamento do racismo estrutural

O EPA insistiu que não basta reconhecer a existência do racismo: é preciso combatê-lo pastoral e profeticamente, denunciando estruturas injustas e promovendo ações concretas de igualdade, acolhimento e reconciliação.

3. Migração e mobilidade humana

Muitas populações afrodescendentes convivem com situações de deslocamento e vulnerabilidade. Por isso, o EPA apontou a necessidade de uma pastoral que acolha, integre e acompanhe as famílias migrantes, especialmente as mais empobrecidas.

4. Caminho sinodal

Os participantes ressaltaram que a Igreja com rosto afro só será possível se caminhar de modo realmente sinodal, onde todos sejam escutados e participem do discernimento comunitário. A metodologia da “conversação espiritual” marcou profundamente o Encontro.

5. Juventude, ancestralidade e memória

O EPA reafirmou a importância do diálogo entre jovens e mais velhos, unindo a energia da juventude à sabedoria ancestral. A memória afro, com seus símbolos, histórias e espiritualidades, foi vista como força que anima a missão.

6. Incidência profética

Os participantes manifestaram o desejo de que a Pastoral Afro assuma um papel mais incisivo e transformador dentro da Igreja e na sociedade. O tempo da simples resistência deu lugar ao compromisso de ocupar espaços e influenciar decisões que promovam justiça e dignidade.

 

Celebração e compromisso

O Encontro foi concluído com uma missa na Basílica de Nossa Senhora de Luján, presidida por Dom Marcelo Colombo, presidente da Conferência Episcopal Argentina. Em sua homilia, o bispo sublinhou que a herança afro-latino-americana é um dom para toda a Igreja e que “a fé vivida nos corpos negros é parte do próprio tecido espiritual do nosso continente”.

O XVI EPA deixa como legado não apenas uma lista de prioridades, mas um chamado à conversão pastoral. Para a Pastoral Afro, este encontro não é o fim de um processo, mas o início de uma nova etapa, em que se busca consolidar ações, fortalecer lideranças e construir uma Igreja verdadeiramente plural, acolhedora e missionária.

Ao recordar o Negro Manuel e sua profunda devoção, os participantes reconheceram que ele continua a ser luz para o caminho: fiel, humilde e comprometido, ele representa o rosto afro que permanece vivo na fé do povo. 

Ibrahim Muinde, IMC, é coordenador da Pastoral Afro-brasileira dos Missionários da Consolata, Região Brasil. 

 

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