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Fé em Ação

Os humanos, essa força geológica!

Nossa sociedade humana está combinando muita atividade econômica com muita destruição ambiental.

Por Marcus Eduardo de Oliveira

Não é de hoje que a ciência mostra claramente que a ação humana altera – e muito - os ciclos metabólicos da Terra (ciclo do carbono, nitrogênio, oxigênio, água e outros). Isso é tão significativo que, dúvidas à parte, estamos no Antropoceno. A palavra não é nova; a realidade, sim. Aliás, sobre isso, cresce o consenso de que nos tornamos uma força geológica, com dificuldade de manter as coisas no lugar, seja a história humana ou a história natural. Especialmente, as notícias da mudança climática dão o recado. Nada é de forma acidental; tudo é provocado!

No começo dos anos 1970, Barbara Ward (1914-1981), economista britânica, já dizia sem cerimônias que “os dois mundos do Homem – a biosfera de sua herança e a tecnosfera de sua criação – estão desequilibrados, na verdade, em profundo conflito”.

Diretamente, o que mais quero dizer com isso – e a ciência ajuda a comprovar – é que nós, os modernos, estamos mudando o ambiente de sustentação da vida na Terra. E de forma muito rápida. Portanto, o pano de fundo, que fique claro, é um só: nossa sociedade humana está combinando muita atividade econômica com muita destruição ambiental.

E pior: não cessamos de fazer isso ignorando as restrições colocadas pela natureza.

A partir dos anos 1950, pós-guerra, na chamada “Grande Aceleração”, passamos a pisar com mais firmeza no acelerador da produção econômica. Resultado? Somente nos últimos 70, 80 anos houve mais mudança (rápida e extensa) do que em qualquer outro período comparável da história humana.

Dito isso, vamos esclarecer ainda mais: desde 2009, um grupo de 29 cientistas renomados definiram nove limites planetários que, se ultrapassados, desestabilizam o Sistema Terrestre. Desses nove, já ultrapassamos 7 – o último deles foi agora, com a acidificação dos oceanos.

Acontece que todas essas mudanças nos levam para um clima mais quente. Daí a imediata conclusão de que o bem-estar da civilização humana está em risco. Afinal, clima mais quente, e não é segredo, ameaça a disponibilidade de água, de alimentos, afeta a vida dos animais, os ecossistemas e assim por diante.

“Em conjunto”, argumenta Dipesh Chakrabarty, “nós exercemos um tipo de força que é tão grande que pode alterar o ciclo habitual das eras glaciais seguidas por períodos interglaciais – um ciclo de, digamos, 130 mil anos. De alguma forma, adquirimos o papel de uma força geológica – graças à nossa busca de tecnologia, de crescimento populacional, e da nossa capacidade de nos espalhar por todo o planeta”.  

Abrindo de vez essa cortina, a verdade é que estamos alterando a vida biológica neste nosso planeta. Os números não mentem: setenta por cento dos sinais vitais da Terra estão em estado crítico. Metade das zonas úmidas do planeta já desapareceu. Um terço das terras aráveis do mundo está degradada. Entre 1994 e 2017, a Terra perdeu 28 trilhões de toneladas de gelo, apontou pesquisa realizada pelas universidades de Leeds e de Edimburgo junto com a Universidade College London. Quarenta por cento das reservas hídricas da Terra podem desaparecer até 2030. Relatório Estado dos Recursos Hídricos Globais 2023 da Organização Meteorológica Mundial, OMM, apontou que 2023 foi o ano em que os rios do mundo estiveram mais secos em três décadas. Já colocamos 1 milhão de espécies de animais e vegetais em risco de extinção. Noventa por cento de todos os corais (os ecossistemas mais vulneráveis do planeta) que sustentam pelo menos ¼ de toda a vida marinha já estão comprometidos e o capital natural mundial caiu 40% nas duas últimas décadas. Quer dizer, estamos consumindo a natureza.

Balanço feito, a combinação dessas adversidades, todas ligadas em grande parte ao aumento da globalização e de novas tecnologias, nos impõe ao menos três desafios contemporâneos: conter o avanço da crise climática; conter a erosão da biodiversidade; conter o aprofundamento das desigualdades.

Agora, nossas experiências de vida nos fazem acreditar que temos um conhecido caminho a seguir: ou diminuímos o ritmo de extração daquilo que a natureza [matriz de tudo] nos oferece, respeitando sobretudo a sua regeneração, ou vamos direto ao abismo. Em outras palavras, ou mudamos o nosso [problemático] estilo de vida consumista, ou teremos que aceitar, entre outros, a pesada expectativa de que, em 2050, poderá haver mais plástico que peixes nos mares.

A conta, por nossa sorte, é básica: para melhorar a qualidade de vida de nossos pares – 8,5 bilhões de habitantes – temos que cessar a pressão sobre a biosfera. Isso porque, melhorar a qualidade de vida, começando pela qualidade do ar, da água, do solo, dos alimentos, da vida nas cidades e nos campos, é, em síntese, a verdadeira ideia de modernidade e prosperidade que o mundo civilizado pode – e deve - almejar. O outro nome disso, fechando o raciocínio, é política da vida, seja a vida humana ou a não humana.

Marcus Eduardo de Oliveira é economista e ativista ambiental. Mestre em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo – USP (2005).
Autor de "Civilização em desajuste com os limites planetários" (CRV, 2018) e “A Civilização em risco” (Jaguatirica, 2024), entre outros.

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