Ano jubilar e a vocação à vida
Tema: “Peregrinos porque chamados”. Lema: “A esperança não decepciona porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações”. (Rm 5,5)
Por Paulo Mzé
Em pleno ano do Jubileu da Esperança e durante o mês vocacional redigimos esta rubrica com a triste notícia de que “assassinatos de adolescentes cresceram 4,2% em 2024, no Brasil”. A notícia que não tem nada a ver com a esperança que precisamos, foi publicada pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que trouxe a informação de que foram 2.103 mortos de vítimas com idade de 12 a 17 anos, entre 2.036 vítimas no ano anterior.
Refletir sobre as vocações é, antes de mais nada, pensar na vida, já que a vocação primeira do ser humano é à vida. Então, qual seria a esperança de jovens que teriam muitos sonhos pela frente e muitas vezes são interrompidos por tantos males que grassam a sociedade, incluindo a violência perpetrada contra eles. Nesta rubrica, Paulo nos inspira a entendermos essa situação, em pleno mês vocacional.
No final da atividade de Paulo de três meses na província da Acaia, na Grécia, na cidade de Corinto, ele escreveu a carta aos cristãos de Roma. No início da sua terceira viagem missionária, havia escrito a Epístola aos Gálatas. A data é, provavelmente, o final de 56 d.C., ou até início do inverno de 58.
Paulo, naturalmente, não fundou a Igreja romana, como fundou a dos Gálatas. Parece que ela foi fundada por membros da comunidade judaico-cristã de Jerusalém que havia viajado a Roma. Ora, em 49 d.C., o imperador Cláudio ordenou a expulsão dos judeus. Depois que o imperador morreu, por volta de 54 d.C., os judeus-cristãos convertidos haviam se multiplicado. Assim, a Igreja cristã romana à qual Paulo encaminhou esta carta era predominantemente pagão-cristã.
Presume-se que Paulo ficou preocupado e/ou até apreensivo sobre visitar Jerusalém. Talvez até temesse por sua segurança. Por sua vez, a história registra que aconteceu o que Paulo temia. Ele foi preso em Jerusalém, ficou dois anos encarcerado em Cesareia, e, por fim chegou em Roma por volta de 60 ou 61 d.C. Cerca de três ou quatro anos depois de haver escrito sua carta.
As circunstâncias que cercam a visita a Jerusalém tornaram plausível que Paulo escrevesse essa carta aos romanos por três motivos: primeiro, a carta deu-lhe a oportunidade de se apresentar a uma comunidade que, em sua maior parte, não o conhecia formalmente. Segundo, ele poderia ordenar, avaliar e resumir os argumentos que teria de apresentar em Jerusalém se sua pregação ainda estivesse sendo contestada. Terceiro, talvez quando escreveu essa carta estivesse pensando mais na maioria judeu-cristã de Roma.
Essa epístola, em especial nos capítulos 9-11, poderia dar a impressão de que Deus é injusto. Alguma vez o Deus da Bíblia de surpresas agiu de modo diferente com seu povo? Um antigo provérbio diz bem: o homem põe e Deus dispõe! Então, como ele poderia ter feito promessas tão grandes a Israel e cumpri-las para os pagãos? Para entender Paulo, precisamos lembrar que ele vê a palavra de Deus e promove duas respostas possíveis: fé ou descrença. Deus é sempre fiel, nunca deixa as criaturas sem sua comunicação ou promessa. Entretanto, a experiência mostra que alguns o ouvem e se ofendem. Paulo crê que parte de Israel pertence a esse último grupo.
No capítulo 5 surge nova ênfase. O amor de Deus fica à frente, enquanto a justificação e a justiça ficam em segundo plano. De modo específico, Paulo descreve a experiência cristã de uma vida nova em paz com Deus. A perícope de (5,1-11) nos mostra como é estar reconciliado com Deus.
Todo ser humano, uma vez por outra, já experimentou o alívio que se segue ao perdão de uma dívida ou à solução de um problema. Essa sensação de alívio é bem parecida com os três efeitos que Paulo identifica como resultantes do relacionamento justo com Deus: paz (v. 1), confiança (v. 2) e uma participação na ressurreição do próprio Cristo (v. 11).
Esses efeitos são ainda mais impressionantes quando reconhecemos que Jesus morreu por nós quando estamos em nossos piores momentos! Embora seja difícil crer nisso e aceitá-lo, temos a prova em nossos corações, onde o amor de Deus pôs o Espírito Santo para nos guiar numa vida nova.
Não admira, então, que Paulo “se orgulha” três vezes nestes poucos versículos. Em sentido bíblico, orgulhar-se é um jeito de reconhecer seu Senhor e Mestre. A pessoa não redimida mostra um orgulho com auto-elogio, mas a que reconhece a redenção por intermédio de Jesus orgulha-se no próprio Deus (v. 11; cfr. Jr 9,13) e na certeza de partilhar a glória de Deus (v. 2).
Esse entendimento explica como, além de se orgulhar de sua esperança (v. 2) e de Deus (v. 110), Paulo não é masoquista. Mas exatamente, descreve sua recém-descoberta capacidade de resistir aos desafios e riscos das tribulações (thlipseis em grego) que resulta do seguimento de Jesus. O risco que elas acarretam é fazer com que o indivíduo desista de Deus. Entretanto, suportadas com paciência, servem para ressaltar uma atitude agradável a Deus, de receptividade ao futuro, caracterizada por grande libertação da morte e do pecado (5,12-21), de si mesmo (6,1-23) e da Torá, como lei (7).
Paulo Mzé, imc, é Superior Regional dos Missionários da Consolata no Brasil e diretor da revista Missões.